INFLUÊNCIAS E RECIPROCIDADES CULTURAIS E ARTÍSTICAS ENTRE O MINHO E MINAS GERAIS: ARTE SACRA, RELIGIOSIDADE POPULAR E INTERAÇÕES SOCIAIS

Turismo

FELIPE BIZZOTTO REY
Universidade do Minho – ICS Braga/Portugal
fb_bhz@yahoo.com.br

Os emigrantes portugueses que foram para Minas Gerais na época de formação do Estado com a descoberta das minas de ouro no final do século XXVI eram, em sua maioria, originários do norte do país, incluindo artistas e mestres de obras minhotos com uma sólida perícia técnica. Esses emigrantes trouxeram um conjunto bem particular de valores sociais e culturais que, apesar de algumas diferenças, havia semelhanças com o modo de viver da população mineira. O fluxo de emigrantes do Minho foi tão grande que, em 1720, a Coroa Portuguesa tentou limitar a entrada no Brasil ao só permitir a emigração com passaporte fornecido pelo governo.

Um questionamento surgiu ao longo da pesquisa: por que esses profissionais sairiam de Portugal para terras tão distantes e que nunca conheceram antes? Dangelo (2006) relata alguns aspectos da época que podem responder tal dúvida. Pela alta demanda e falta de mão-de-obra qualificada em construção e decoração (para os templos religiosos principalmente), fez com que inflacionasse o preço dos serviços especializados na área e, portanto: “essa condicionante tornava bastante compensatória a migração dos trabalhadores desse setor para a região das Minas durante todo o século XVIII, o que justificava a migração de muitos mestres portugueses, mesmo tardiamente, durante a segunda metade do século XVIII.” (Dangelo, 2006, p.284) O autor também destaca que os preços cobrados em Minas Gerais eram,
na maioria, muito mais altos do que em Lisboa. Ramos (2002a) acrescenta que os artífices portugueses “atuavam como verdadeiros empresários em seus contatos com representantes das confrarias de leigos. Além de administrar os contratos celebrados com a irmandades, eram responsáveis por planejar os serviços de acordo com os prazos estabelecidos e coordenar as ações do grupo de trabalho.” (Ramos, 2002a, p.35)

Para Dangelo (2006), houve algo novo entre os artistas do Minho que chegaram a Minas:

Importante salientar o vigor dessa nova cultura arquitetônica construída no meio sócio-cultural das Minas
Gerais setecentistas que, efetivamente, a julgar pela produção da sua mais importante e representativa
arquitetura religiosa, transformou mesmo os mais ortodoxos mestres-pedreiros para cá imigrados (…) em
indivíduos mais abertos e criativos às experimentações estéticas contaminadas pela diversidade cultural
existente em uma região que se inventava, sem tempo para sedimentações consistentes de tradições que não pudessem ser rompidas e redimensionadas a qualquer momento. (Dangelo, 2006, p.295)

Ao mesmo tempo, com a consolidação da “escola” portuguesa em Minas, a cultura arquitetônica feita na
capitania tornou-se reconhecida “até mesmo em algumas regiões do Norte de Portugal, fortalecendo ainda mais essas ligações transatlântica (…).”

A identidade mineira foi construída por uma histografia complexa e diferenciada em relação a outras regiões do Brasil. Principalmente pela cultura e arte financiadas com a mineração dos setecentos, surgiram os primeiros traços de uma mineiridade que iria contribuir para a formação de uma identidade marcante e distinta. Apesar das diferenças internas dos diversos grupos do corpo social, são nítidas as semelhanças culturais que unificam o que é “ser mineiro”. A forte presença da religião devocional pode explicar em parte o jeito de ser do mineiro que é descrito muitas vezes por outros brasileiros como um indivíduo quieto, calado, desconfiado e hospitaleiro. Segundo Guimarães Rosa (1957), o mineiro está “entre a religião e a regra coletiva.” Curioso é que tais adjetivos já tinham sido percebidos pelos viajantes europeus ao longo do século XIX. Paradoxalmente, foi este mesmo povo que ousou lutar pela liberdade e mostrou coragem na Inconfidência.

Outra característica é a formação de uma sociedade na qual os homens tinham alma aventureira e
empreendedora e que, contraditoriamente, davam muito valor para o aspecto religioso da realidade. Homens que viviam em um ambiente hostil do ciclo do ouro, mas que, ao mesmo tempo, apreciavam todo o esplendor da arte sacra. População que contratava, pelo intermédio das confrarias religiosas, profissionais portugueses de arquitetura e ornamentos para exibir artisticamente a sua orgulhosa fé e que uma geração posterior de sangue mestiço aprendeu as técnicas e pôde realizar monumentos de personalidade própria em especial nos trabalhos para os interiores das igrejas. Foram artistas que conciliaram beleza e mensagem com símbolos em forma de alegorias para a reafirmação do catolicismo nas colônias. Por outro lado, a distinção da arte sacra mineira está na originalidade que, em certo ponto, só foi possível por uma liberdade de criação maior em relação à arte feita em Portugal. A colaboração amistosa dos profissionais portugueses com os criativos auxiliares mineiros transformou uma produção que tinha como base o rigor do estilo joanino e acrescenta posteriormente o uso do rocaille rococó com traços típicos da população mulata de Minas Gerais nos setecentos. Tal característica pode ser vista, por exemplo, na obra de Mestre Ataíde que compunha a pintura dos forros das naves com anjos de pele mulata, típica da população.

As relações com o Minho foram muito além das obras barrocas e rococós em igrejas. O povo mineiro abraçou a religiosidade tipicamente portuguesa dos imigrantes do Minho e fez questão de mantê-la com as festividades e ritos religiosos que ainda são vistos em Minas Gerais. Perpetuou-se um catolicismo devocional como também é muito expressivo no Norte de Portugal. Certo é que, caso a população mineira não tivesse tal apreço pela cultura e arte religiosas desde o início da formação do Estado, o esplendor não seria tão marcante e tais monumentos não teriam sido conservados até os dias atuais. O tardobarroco mineiro foi a rara combinação de um povo essencialmente cristão – constituído de brancos, negros e mulatos – e que apreciava a arte sacra não só como parte da religião, mas que ela poderia também trazer beleza ao cotidiano mesmo em uma terra por vezes tão difícil como foi no século XVIII. A partir de uma fonte essencialmente barroca, é construída uma identidade cultura própria de Minas Gerais. Homens divididos entre a “vigilância” da religião e as tentações do cotidiano.

Pode-se concluir que o Minho e Minas Gerais, em certo momento histórico, encontram-se e formam
naturalmente uma nova concepção original de expressar a religiosidade e a arte em uma sociedade que nascia em terras tão distantes do império português. Das amarguras de um período verdadeiramente duro, floresceu uma rica cultura admirada por séculos e que continua a fascinar os visitantes e é tema para os mais diversos estudos e pesquisas. É, em Minas Gerais, que nasce uma arte verdadeiramente brasileira fruto da miscigenação, talento e de uma perene fé devocional com base em laços minhotos.

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Foto: Felipe Bizzotto

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